Muito além da Internet das Coisas: a Geografia das Coisas

PorAbimael Cereda Junior

Muito além da Internet das Coisas: a Geografia das Coisas

CEREDA JUNIOR, A. Muito além da Internet das Coisas: a Geografia das Coisas. Conhecimento Prático: Geografia, São Paulo: Editora Escala, p.30-31, abr. 2015, ediçã0 60. Bimestral.

Manhã de sábado ensolarada. Você resolve conhecer a nova área de lazer da cidade. Liga seu smartphone, coloca sua pulseira fitness, digita o endereço em seu aplicativo preferido de mapas, mas, antes de sair, seu “assistente pessoal”, avisa que o trânsito no local está interrompido. Você consulta rapidamente as linhas de ônibus mais próximas no app da empresa responsável pelo transporte público da sua cidade, mas resolve ir a pé até o local – afinal, as linhas estão com atraso.

No caminho até lá, passa na padaria em que lhe chamam pelo nome e faz um check-in, publicando nas redes sociais: “melhor café da cidade”. Chega à nova área de lazer e caminha por todo o parque, enviando, antes de voltar para a casa, o caminho percorrido e as informações coletadas pela pulseira fitness para seus amigos, dizendo: “vida saudável é isso”, mas não sem antes passar no supermercado para aproveitar a promoção que chegou via SMS quando estava próximo a ele.

ANÁLISE

O que essa pequena história (que pode ser a sua história) nos mostra? Um futuro como no desenho Os Jetsons, ou um presente em que cada uma das ações – utilizar o smartphone para navegação, verificar o trânsito, as linhas de ônibus, o check-in e mesmo a promoção – não são somente operações técnicas, mas, sim, novas formas de interagir com seu meio e com as pessoas, que modifica a maneira como entendemos e construímos o mundo.

A chamada “Internet das Coisas” (IoT), termo cunhado por Kevin Ashton, do MIT (Instituto De Tecnologia De Massachusetts) em 1999, não tem um conceito claro ou único, mas podemos entendê-la como outra forma de descrever uma rede de dispositivos, pessoas ou equipamentos interconectados. Uma vez conectados, os dispositivos podem enviar dados entre si ou para pessoas, que poderão analisar, escolher e manipular os dispositivos remotamente, conforme o Coordination and Support Action for Global RFID-related Activities and Standardisation (Casagras).

…não são somente operações técnicas, mas, sim, novas formas de interagir com seu meio e com as pessoas, que modifica a maneira como entendemos e construímos o mundo.

De maneira sucinta, a anunciada IoT descreve um futuro em que objetos banais – como um relógio, ou mesmo sua geladeira – estão conectados à internet e podem se identificar, bem como se conectar a outros dispositivos, enviando e recebendo informações, permitindo a interação homem–máquina, bem como máquina–máquina. Tendo isso em mente, a Inteligência Geográfica, ou seja, a integração entre a Ciência Geográfica e as Tecnologias – em seu “estado da arte” – permite-nos o desvelar não só do Território, mas o entendimento do Lugar. E, com isso, podemos cunhar o termo “Geografia das Coisas” (ou GIS of Things), que concretiza o que foi prenunciado pelo pai do Sistema de Informações Geográficas – SIG (GIS), o geógrafo Roger Tomlinson em 1962. Ele afirmava: “Quando você descobre a Geografia, você ganha um novo par de olhos”. Sabemos que essa relação não é somente homem–máquina: é uma relação cidadão– sociedade–tecnologia.

Vivemos a Geografia das Coisas, que amplia o horizonte da Internet das Coisas e confere humanidade a ela.

UNIR GEOGRAFIA E TECNOLOGIA?

Sim, essa é a nossa realidade e o desafio atual – a Inteligência Geográfica quebrando paradigmas, trazendo fatos inéditos na História da Humanidade, como nos relacionamos até mesmo com mapas: não é mais você que se procura nele, mas o mapa que se ajusta a você.

Se antes falar sobre Geoprocessamento, SIG, Sensoriamento Remoto e Sistemas de Localização (como o GPS) era algo complicado, que envolvia entender sobre configurações de hardware, software e estava restrito a um pequeno número de superespecialistas, hoje, as tais tecnologias – e geotecnologias – estão cada vez mais intuitivas e disponíveis no dia a dia de qualquer cidadão (como este da história do início deste texto) que acompanha desde a previsão do tempo até cria rotas de suas viagens, bem como das empresas e governos que devem se apropriar delas para o entendimento, tomada de decisão e ações territoriais.

Ilustração do Dr. John Snow.

Ou o lado obscuro: grandes corporações coletando dados sobre sua localização, sem informar o usuário.Contudo, como pontuei em 2012, no artigo “Da Análise Espacial à Análise do Espaço: para além dos algoritmos”, é necessário entender que: “O período de apropriação das técnicas e tecnologias ligadas à chamada ‘Análise Espacial’ não poderia ser mais propício. A multiplicidade de sistemas sensores remotos [principalmente os orbitais, alguns financiados por empresas ligadas às grandes corporações de coleta, análise e consulta sistemática de dados via internet], a facilidade no uso de ferramentas cartográficas, em seus níveis mais elementares de manipulação de estruturas representacionais do Espaço Geográfico [pontos, linhas e polígonos] e a necessidade do homem do período técnico-científico-informacional em ser, estar e se localizar permitem os usos e abusos do Geoprocessamento”.

Estamos passando por mudanças na forma como trabalhamos e interagimos com as pessoas; vivemos a Era da Consumerização. Dispositivos, apps, aparelhos não são mais do seu escritório, mas estão com você – conceito que grandes empresas gostam de propagar: Bring Your Own Device (BYOD).

A Geografia das Coisas, na Era da Consumerização, vai muito além da Internet das Coisas: não estamos falando somente de uma rede de sensores e dispositivos interligados. Estamos vivendo uma nova maneira de integrar – e transformar – a sociedade, em que o protagonismo não é somente um desejo ou algo para a minoria: todos podem fazer parte desta Revolução Geoespacial.

IMPACTO

E isso, muito além da pequena cena narrada no início deste texto, já tem trazido impacto positivo na vida contemporânea. Em um evento (hackaton) para desenvolvedores ocorrido em fevereiro de 2015, um dos projetos vencedores criou uma rede de sensores e análises espaciais em que, por meio de informações ambientais (como a quantidade de CO²), são traçadas as melhores rotas para navegação nas ruas, baseadas não somente em tempo ou em distância, mas naquelas que impactam da menor maneira possível o ambiente. Vivemos a Geografia das Coisas, que amplia o horizonte da Internet das Coisas e confere humanidade a ela. Este é apenas um exemplo que revela o caminhar da sociedade em prol de um mundo melhor para nós mesmos e para o meio que nos cerca, a partir de um entendimento e de uma interação adequada ao nosso território e às nossas tecnologias.

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